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Como o COVID-19 está proporcionando uma
discussão sobre coletividade e empatia
As medidas de contenção à transmissão comunitária do coronavírus estão tomando as redes sociais. Muitas pessoas estão utilizando as plataformas para fazer um apelo aos seus seguidores para não saírem de casa, enquanto outras estão trazendo elucidação para o fato de que muitas pessoas não possuem o privilégio do isolamento – todas as postagens giram em torno do mesmo conceito: a quarentena.
Apesar da popularidade do termo, as medidas anunciadas por alguns Estados do Brasil e pelo Distrito Federal são apenas medidas para minimizar o contágio. A quarentena de uma cidade é um isolamento imposto, o que significa que a liberdade pessoal de circular pela cidade é restrita e indústrias e comércios são paralisados até uma segunda ordem do Estado. Os únicos indivíduos que estão submetidos a uma quarentena de fato, ou seja, que terão uma restrição das atividades e serão separados do meio social, de acordo com a lei n° 13.979, de 6 de Fevereiro, são aqueles que estão com o vírus ou com suspeita de contaminação.
O Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Wanderson de Oliveira, esclareceu que o isolamento não é obrigatório, mas é um ato de civilidade para a proteção de outras pessoas. Mesmo com a falta de medidas rigorosas e a confusão com o que de fato significa estar de quarentena, muito se discute como essas supostas medidas são elitistas – já que grande parte da população brasileira não pode trabalhar de casa e/ou deixar de utilizar o transporte público para locomoção. Existem crises dentro da crise, sendo o coronavírus apenas um evidenciador de que pouco se sabe sobre quais as responsabilidades que o exercício da cidadania exige, exercício esse que ultrapassa a esfera pública e emerge na privada.
O INÍCIO: POR QUE NOVAS DOENÇAS CONTINUAM APARECENDO NA CHINA?
Em 2002, outro vírus da mesma categoria do COVID-19 surgiu na China em um mercado onde animais vivos são vendidos e mortos para o consumo, se disseminando para 29 países e matando 774 pessoas. 17 anos depois, especialistas apontam um mercado semelhante como disseminador do coronavírus: o Hunan Market Wuhan China. O vírus atual já está em pelo menos 71 países e já é responsável pela morte de mais de 7 mil pessoas.
Os mercados chineses são mundialmente conhecidos por venderem diversas espécies de animais selvagens provenientes do mundo inteiro. O fato de diferentes animais, de diferentes localidades, estarem tão próximos uns dos outros torna possível algo que seria muito improvável sem a intervenção humana: o COVID-19 está sendo apontado como fruto do contato de um vírus proveniente de morcegos com pangolins, um mamífero de porte pequeno muito comercializado na Ásia, para só então chegar em humanos.
A vasta maioria da população chinesa não consome animais selvagens e, apesar disso, a indústria valia 184 bilhões de reais em 2018.
O MEIO: COMO O COMÉRCIO DE ANIMAIS SELVAGENS SE RELACIONA COM O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
Mesmo com a preocupação mundial e estudos que apontam o perigo de mercados semelhantes na China, o governo chinês escolhe proteger a minoria consumidora de ricos e poderosos em detrimento dos seus 1.4 bilhão de habitantes. O que está acontecendo nesse momento com a disseminação do coronavírus é a repetição do mesmo problema que aconteceu em escala menor a 17 anos atrás – por que nada mudou em tanto tempo?
É inevitável, com um mundo globalizado, a necessidade de compreender que o problema dos mercados chineses também são um problema do mundo. É preciso ter um senso comunitário de que a população é um agente ativo para o funcionamento das nações e que, apesar de existirem ações que apenas as entidades públicas possam tomar, é crucial exigir e cuidar para que as medidas sejam sempre pensadas em prol do corpo social: não existem ações isoladas que não impactem o coletivo.
É necessário entender que o paulista que aproveita as medidas de prevenção de contágio para descer para o litoral, mesmo sabendo que o sistema de saúde de cidades menores é precário, é tão responsável quanto o empresário chinês que consome animais selvagens, mesmo sabendo o perigo existente no comércio desses. E é nesse momento que entra a indignação expressa nas mídias sociais que, mesmo que equivocada, aponta na direção certa: não é sobre poder ou não ficar em casa em tempos de coronavírus, mas a falta de senso de coletividade que fica evidente em momentos de crise.
O FIM: POR QUE MOMENTOS DE CRISE SÃO IMPORTANTES PARA A REFLEXÃO?
Apesar da situação crítica, existem resultados positivos: em apenas um mês de existência, a nova doença já era citada em 37 publicações no PubMed, contando com análises de sequências genômicas do vírus. Existe um movimento mundial que possibilitou o rápido monitoramento dos casos em tempo real, através da colaboração de compartilhamento de dados e achados científicos entre nações, além da criação de modelos matemáticos e estatísticos como forma de monitorar sua disseminação.
Mas o mais valioso desse momento é, sem dúvida, a discussão sobre a responsabilidade social, pessoal e coletiva proporcionada pelas redes sociais. O levantamento de questões como privilégio e o impacto das atitudes individuais estão trazendo a tona a função que o direito à cidadania exerce no âmbito privado. Em um momento como esse, em que o governo não possui mecanismos para fiscalizar quem pode ou não circular pela cidade, cabe apenas ao cidadão apelar para seu senso de empatia no momento de decidir suas ações.
A discussão deve continuar progressivamente, de modo que os mesmos erros não sejam cometidos: é preciso ter noção de empatia e coletividade todos os dias, entendendo que ser cidadão é também uma função social.
Dito isso, nem todas as medidas podem ser tomadas apenas no âmbito privado- existem funções que somente uma entidade pública pode tomar frente à situações semelhantes. Esse será o próximo tema da série de matérias sobre o coronavírus que o Connected Smart Cities está realizando, siga as nossas redes sociais para saber mais:
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